Foto por: Relatório GMF

Por RepórterMT

Um relatório sobre inspeção feita na Penitenciária Dr. Osvaldo Florentino Leite Ferreira, conhecida como "Ferrugem", em Sinop (a 478 km de Cuiabá), em Mato Grosso, revelou a existência de práticas sistemáticas de tortura e maus-tratos contra presos na unidade. A Secretaria de Estado de Justiça (Sejus) abriu uma investigação para apurar o caso.

A inspeção foi feita por ordem da Corregedoria-Geral da Justiça e do Grupo de Monitoramento e Fiscalização (GMF) do Sistema Prisional e Socioeducativo, ambos vinculados ao Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT), entre os dias 29 e 30 de outubro deste ano, e o relatório é assinado pelo juiz de Direito Marcos Faleiros.

Durante a inspeção, autoridades judiciais identificaram abusos como disparos de munição de borracha, uso indiscriminado de spray de pimenta e espancamentos. Os presos, muitos deles ligados a facções criminosas, relataram humilhações diárias e agressões físicas constantes.

A situação foi agravada pela presença de um poder paralelo dentro da unidade. Conforme o relatório, o diretor do presídio, Adalberto Dias de Oliveira, teria desafiado as ordens do Poder Judiciário, afirmando que “quem manda lá é ele”, numa tentativa de barrar a inspeção. 

Detentos relataram que, após visitas de juízes e desembargadores, a violência e os abusos aumentaram, com retaliações diretas aos internos que denunciaram as condições da prisão.

Em um ato ainda mais grave, o relatório aponta uma tentativa de atentado contra as autoridades que foram ao local fazer a inspeção, supostamente planejado por Adalberto, com a colaboração de outros membros da direção. A ação teria como objetivo minar a credibilidade da inspeção e retaliar os presos que haviam denunciado os abusos.

Tortura

Os detentos não hesitaram em relatar os abusos durante as oitivas. Um dos internos contou que a quebra de protocolo é rotina na unidade. Segundo o criminoso, depois da visita do desembargador Orlando Perri, Adalberto teria os ameaçados.

Ele [Adalbert] falou: ‘não adianta vocês virem com Desembargador, Defensor, Ministério Público, não adianta! Pois ninguém tira eu daqui!’”. Esse preso contou também das agressões com balas de borracha e tiros disparados sem motivo justificável, causando ferimentos em diversos detentos.

Outro presidiário revelou que, após uma inspeção judicial anterior a essa, a violência foi retaliada. “O Adalberto negou a ordem de abrir o 'Latão' [celas superlotadas e fechadas], dizendo que ‘quem manda no presídio sou eu e não é o Desembargador nem o Fidelis’.” Ele também expôs agressões físicas e o uso de spray de pimenta para submeter os presos a sofrimento intenso.

Poder Paralelo e ameaças às autoridades

Segundo consta do relatório, o clima de desprezo pelas autoridades externas é reforçado pelos depoimentos sobre o diretor da unidade, Adalberto Dias de Oliveira, e sua postura desafiadora. Detentos afirmam que ele frequentemente se vangloriava de seu poder absoluto dentro da penitenciária.

Outro preso confirmou que o diretor reforçava que 'quem mandava lá era ele'. Após a visita do Desembargador, ele falou: "Não é juiz, não é ninguém que vai me tirar do cargo. Ninguém me tira daqui’.”

A situação de poder paralelo ficou ainda mais clara com os relatos de ameaças ao juiz que coordenava a inspeção.

Um dos líderes de uma facção criminosa dentro do presídio revelou em depoimento que o diretor Adalberto, junto ao subdiretor Antônio Carlos Negreiros, teria planejado atacar as autoridades presentes durante a inspeção. O plano, segundo esse faccionado, tinha como objetivo deslegitimar os relatos de tortura.

O Adalberto me prometeu regalias, como transferência para o Raio Evangélico, se eu atacasse o juiz e o promotor”, declarou o detento.

A tentativa de atentado contra o juiz Marcos Faleiros e o promotor Luiz Gustavo Mendes de Maio foi frustrada graças à vigilância dos membros da equipe, mas levantou sérias questões sobre a segurança e o controle da unidade.

Tentativa de atentado ao juiz

Durante a segunda rodada de depoimentos, no dia 30 de outubro de 2025, esse líder de facção confessou que, a pedido da direção, estava planejando atacar as autoridades durante a audiência. O depoente relatou que, ao ser levado à sala de audiência, desprezou o uso correto das algemas e se preparava para atacar o juiz e o promotor.

Os policiais retiraram minhas algemas e me deixaram solto para avançar, mas decidi não fazer isso. Eles me deixaram entrar com um estilete, mas eu preferi não usar”, revelou.

A situação de risco não se limitou à ação dentro da penitenciária. O próprio juiz Marcos Faleiros e a equipe de inspeção viveram momentos de intimidação na estrada de volta a Cuiabá. Segundo o relatório, uma caminhonete seguiu o veículo do Tribunal de Justiça em alta velocidade, tentando interceptá-lo na rodovia, antes de desaparecer na vegetação à beira da estrada. O juiz, em depoimento, afirmou que nunca havia enfrentado uma situação de risco tão clara em sua carreira, considerando a tentativa de interceptação como uma tentativa de intimidação direta.

Outro lado

Procurada, a Secretaria de Estado de Justiça (Sejus) se manifestou por meio da nota abaixo:

A Secretaria de Estado de Justiça (Sejus) informa que recebeu, na última sexta-feira (12/12), o relatório de inspeção realizado pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) na Penitenciária Dr. Osvaldo Florentino Leite Ferreira, em Sinop.

Paralelamente à referida inspeção, a Sejus instaurou, no mês de novembro, procedimento administrativo de apuração, conduzido pela Corregedoria-Geral da instituição, com a finalidade de examinar de forma minuciosa e imparcial dos fatos ocorridos durante um início de motim por parte dos reeducandos, que tentaram, na ocasião, destruir as celas da carceragem.

Esta Secretaria ressalta ainda que durante o ano de 2025 não houve denúncia formal em nenhum órgão fiscalizador sobre suposta tortura na referida penitenciária.

A Sejus não coaduna com nenhum tipo de abuso ou prática criminosa e caso seja confirmado, serão adotadas as medidas cabíveis para a devida responsabilização.